A violência na escola
Que "a juventude está perdida e não tem emenda", já todos sabemos. É um discurso velho, sempre presente naqueles que já perderam a memória da sua própria juventude. Não vamos aqui partilhar convosco memórias da nossa juventude, mas sim reflectir muito brevemente sobre um tema proposto: a violência na Escola.
A violência é um tema do nosso quotidiano. A Escola que, felizmente, não vive retirada desse quotidiano nem isolada do mundo, não escapa a esse clima de violência. Para uns, ela é o espelho dessa violência, para outros é, ela mesma, geradora de violência. Alunos, professores, pais e encarregados de educação, aqueles que formamos a comunidade educativa, somos sujeitos e objectos dessa violência.
Todos conhecemos alunos para quem a Escola "é uma seca" (o temo sugere uma situação de carência de um bem absoluto). Nesta autêntica travessia do deserto, o único oásis parece ser o grupo de pares, os colegas, aqueles que padecem da mesma sede.
E um ou outro "stôr mais fixe", isto é, capaz de uma compreensão empática.
Para estes alunos, se não fosse o tempo e o espaço de sociabilidade que a Escola oferece, esta seria completamente insuportável.
Os espaços de lazer e convívio são espaços de liberdade. As salas de aula um cárcere. Este desconforto parece ser causado pelo divórcio entre os objectivos da Escola - o que a Escola é e pretende que o aluno venha a ser - e os objectivos dos alunos. A proposta que a Escola faz aos alunos, baseada num sistema de valores e num conjunto de saberes, parece não ser aliciante para um número significativo deles.
Para esses, os objectivos, que se definem por aquilo que a sociedade lhe mostra que é importante para se viver e vencer, são outros. Vale a pena o investimento aplicado no estudo, o esforço do trabalho intelectual? Para quê?
Não há - e a realidade encarrega-se de o demonstrar - formas mais fáceis de lá chegar? A vida não está reservada para aqueles que "sabem viver"? À lógica do aprofundamento e do estudo, contrapõe-se a lógica da superficialidade; à lógica da sistematização e do trabalho, contrapõe-se a lógica do menor esforço; à lógica do empenho pessoal, contrapõe-se a lógica do sucesso por um preço mais baixo.
E, bem vistas as coisas, não é isso mesmo que a sociedade
- a sociedade em que se inserem os seus pais, os seus professores, os adultos
- lhes demonstra? Estudar e tirar um curso para ficar no desemprego ou, na melhor das hipóteses, para ganhar uma miséria?
Este divórcio, entre os objectivos da Escola e os interesses do aluno, pode ser reforçado se houver um conflito de valores e princípios entre a Família e a Escola.
Quando estes dois sistemas não são complementares - por exemplo, quando os pais não cooperam positivamente com a Escola
- o aluno sente reforçado a crença de que "não vale a pena".
Todos conhecemos professores para quem o dia-a-dia é violento e gerador de stress
- um signo do nosso quotidiano
- mesmo antes de entrarem nas suas Escolas.
Professores que, para conseguirem conciliar as exigências de formação com as suas responsabilidades familiares e profissionais, têm que se deslocar diariamente mais de uma centena de quilómetros.
Outros há que são forçados a viver afastados das suas famílias e experimentam angustiantes situações de separação.
Outros, ainda, viram os seus laÿos afectivos - de que tanto dependem a segurança e o bem-estar - quebrados e a necessitarem de ser refeitos.
Face a esta violência quotidiana, ditada pelas "exigências da profissão", que disponibilidade terão para o desempenho do seu trabalho docente? Que capacidade terão para transmitirem conhecimentos e, sobretudo, para se relacionarem saudavelmente com alunos.
Que prazer terão na sua actividade profissional?
As nossas atitudes como educadores - pais, encarregados de educação, professores - são contraditórias: queremos - para os nossos filhos, para os nossos alunos e para nós mesmos - uma Escola ideal, onde se transmitam conhecimentos e cultivem valores sólidos, capazes de lhes assegurarem um bom e promissor futuro; por outro lado, situamo-nos frequentemente à margem desses ideais, revelamo-nos incapazes de os alimentar na nossa vida, falamos deles como um sonho mas nem sempre os trazemos para o nosso viver quotidiano e para as esferas de responsabilidade em que nos movemos.
Muitas vezes, talvez sem disso nos apercebermos, cooperamos mesmo para que se instale um clima de surda violência na Família, na Escola.
A competição desenfreada, a eliminação dos mais frágeis, o sucesso a qualquer preço, a confusão entre padrão de consumo e qualidade de vida - signos daquilo a que temos chamado progresso - alimentam esta violência em que quotidianamente mergulhamos.
Artigo publicado em: A Página
José Carlos Gomes da Costa